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Relações Familiares

A ausência de matéria na física e na química é chamada de vácuo. Este “elemento” nada mais é do que a ausência de tudo: vazio, sem conteúdo, zero… Essa é a melhor definição de relação familiar paternal que tenho. Pontos negativos, naturais em uma relação, não existem. Pontos positivos, talvez um papo um pouco mais profundo sobre futebol, ou como a política estava acabando com o nosso país. Entre pai e filho só restaram isso e um cumprimento com aperto de mãos, como dois colegas de trabalho que se cruzam na empresa eventualmente. E como eu não enxerguei isso neste tempo todo? Por que eu ainda insistia em sofrer por uma relação tão fria? Fui entender isso tudo muito mais adiante.

Durante anos me conformei em ter uma relação “não negativa” com o meu pai. Nunca tivemos brigas, desentendimentos, estresse. O que é bom, né? NÃO. Eu achava que este era o caminho certo, que tolice… Quando nada existe, nada temos, nada sentimos, nada levamos para a vida. O simples fato de não termos desavenças me bastava. E estava errado! É muito pouco para um grau de parentesco tão forte. O que é pior: perdi noites de sono pensando em coisas que não me cabiam, como o que ele iria fazer da vida dele, como se eu fosse responsável. Criei uma corresponsabilidade destrutiva, que só me roubava a energia e minha saúde mental.

Alguns de vocês, lendo isso, vão me chamar de ingrato. Afinal como eu, filho, estaria arrependido de me preocupar com meu pai? Não quero dar lições de moral ou dizer o que é certo ou o que é errado. Cada indivíduo tem sua visão de mundo. Algumas das minhas visões estarão reportadas neste blog. O que quero dizer é que, para mim, não está certo pensar que, por ser meu pai, TENHO que me preocupar, TENHO que me estressar com os problemas dele. Sou obrigado a me envolver, ter compaixão, sofrer com tudo o que ele sofre… eu passei do meu limite de atuação, porque são consequências da vida dele. Preocupava-me muito mais que ele mesmo. Esta era a visão de relacionamento paternal que idealizei. Sentia-me corresponsável direto pela vida dele, pelas atitudes dele. Deixei de fazer coisas legais com minha esposa e filho, pensando que teria que economizar dinheiro para dar a ele se passasse por alguma necessidade financeira. Um homem vivido, com muita bagagem. Esse comportamento que considero equivocado da minha parte, pois foi muito destrutivo.

Depois da separação com a minha mãe, a vida dele se resumiu em ficar pulando de emprego em emprego, com momentos de ficar mais de ano desempregado. Inverti os papéis das responsabilidades e coloquei-o como meu dependente. Não enxergava que perder emprego atrás de emprego, de gastar o dinheiro das rescisões em coisas fúteis, de começar a correr atrás das coisas só quando não havia mais um centavo no bolso, era culpa dele. Única e exclusivamente dele. Não conseguia ficar confortável em ver ele nesta situação e eu surfando as boas ondas da vida. Não conseguia olhar para a minha vida e me sentir pleno. Sentia-me culpado, muito culpado. Parece tolo, mas era como me sentia. Se não fosse assim, ele não me amaria. Se não fizesse assim, eu seria um ingrato, um injusto. As pessoas próximas iriam me julgar e me sentiria horrivelmente arrependido. E nisso, com tantas preocupações e culpas, minha família e eu não fomos priorizados. Quando enxerguei que estava errado, me senti um tolo por ter perdido tanto tempo da minha vida nessa espiral destrutiva.

O processo todo, da corresponsabilidade não percebida por anos, da descoberta e da libertação através da terapia foi muito duro. Tudo ocorreu dentro da minha zona de atuação interna, sem ter embate, acareação ou discussão entre nós. Cada caso é um caso e simplesmente decidi que não iria para o “confronto”. Resolvi tudo internamente, por decisão minha em conjunto com meu terapeuta, baseada nas minhas características pessoais. Passei por um furacão de emoções, revolta e de arrependimento e para o meu pai, até hoje, é imperceptível. O que mudei foi o ponto de vista da minha vida sobre a vida dele. Nossa relação continua a mesma: superficial e cada vez mais distante, com a diferença que não me sinto mais culpado por isso. O que ainda me dói é que nem para o meu filho ele tenta ser mais presente. Mas enquanto isso não for um problema para o meu filho, por mim tudo bem. Cada um arca com suas consequências.

O “time” da relação pai e filho das nossas vidas, onde deveria haver mais proximidade, já havia passado. Não tem mais como voltar no tempo. Então o ressentimento tem que sumir da minha vida. O mais importante, consegui junto a minha esposa construir uma família bem sólida. Estou levando uma carreira profissional da qual me orgulho, apesar de altos e baixos que aprendi que fazem parte. Então sentir culpa de ser feliz não fazia sentido. Foi olhando estes parâmetros que consegui, aos poucos, acabar com este sentimento de corresponsabilidade.

Não tenho o parâmetro para medir se o meu pai atingiu o sucesso na vida dele, pois nossa relação foi sempre tão superficial… Não sinto nada negativo sobre ele, pelo contrário. Aprendi que cada pessoa é dona de si e livre para tomar suas decisões. Cada escolha traz consigo uma perda, uma consequência. Não havia necessidade alguma de me culpar por uma situação difícil que outra pessoa se encontrava, mesmo sendo meu pai. Estava sendo injusto comigo, pois eu também absorvia as minhas culpas, das minhas decisões. É um peso desumano a carregar. Não foi fácil mudar.

Infelizmente o tempo não volta e o que perdi, enfiado nessa dinâmica errada, não se recupera, mas posso fazer diferente com meu filho. Basear-me na história que vivi com o meu pai e fazer diferente com ele. É muito difícil escrever isso, mas depois que desvinculei laços de sangue (que não escolhemos ter) do amor, respeito, carinho (que temos a opção de escolher), tudo ficou mais claro e muito menos dolorido. Tirei este peso de mim e foi uma das melhores coisas que fiz na vida.

E também coloquei na minha mente que as pessoas evoluem. Tomo isso como parte do processo natural. Criamos nosso filho para que seja um ser humano melhor do que nós somos. Deveria ser o pensamento de todos os pais e mães.

Foco na família e em mim, pensando sempre em evoluir. Priorizar a si mesmo. Mas isso também continua sendo um problema: priorizar-me. Mas vou deixar para explicar direitinho no próximo depoimento.

Até a próxima.